quarta-feira, 2 de março de 2011

O ATEÍSMO À LUZ DA RAZÃO E DA FÉ




Continuo a caminho da construção dos meus pensamentos sobre o ateísmo. Agora, na perspectiva da razão e da fé...com mais serenidade diante das diferenças e das indiferenças que esse tema faz emergir.
Venho observando, aprendendo, sigo “conversando com as diversidades”.
Cabe enfatizar que não pretendo escrever um texto, cuja linguagem é baseada em referências científicas. As palavras aqui colocadas são somente prelúdios, exercícios preliminares de uma reflexão, sempre inspirada na paixão que tenho pelo ser humano e seus mistérios.

VAMOS AOS CAMINHOS DO PENSAMENTO HUMANO!

Primeiramente, sigamos na perspectiva da razão...acho pertinente iniciar com uma discussão sobre o bem e o mal, na história da humanidade. Não há como falar sobre essa questão sem esbarrar na moral e na ética.
A moral é relativa aos costumes ou regras de uma sociedade, em um determinado contexto histórico, estabelecendo aquilo que é bom e adequado para o comportamento humano. Está estreitamente ligada ao bem conviver cultural e social, variando seu significado, função e validade nas diferentes épocas.
Não é possível, portanto, pertencer a um grupo social sem compartilhar das mesmas normas/regras morais de convivência. Desse contexto surge o questionamento: como julgamos se uma ação é moralmente correta? Quais os critérios usados para esse julgamento? Esta é a raiz do estudo da ética.
A ética requer a tomada de consciência dos valores que norteiam a vida e permitem a reflexão sobre as ações, as atitudes, as normas e as regras morais do homem. Sendo a ética a teoria da felicidade, é possível afirmar que a ação é correta quando “maximiza a felicidade de todos”.
A moral tem a ver com o “dever” e a ética com o “querer”. Essas realidades vêm variando historicamente, fato que invalida a pretensão de se formular normas universais: o que é justo e bom hoje, poderá parecer mau e injusto amanhã.
Então, eu pergunto: o que é bom ou mau? O que é justo ou injusto? Quais os critérios para caracterizar a bondade e a maldade humana? Quais os valores do homem contemporâneo?
Definitivamente, é mais fácil formular reflexões filosóficas do que respondê-las. Passemos a examinar o processo da moral e da ética na história da humanidade, através das respostas encontradas nos grandes pensadores.
O texto que fundamenta a moralidade na cultura ocidental é o Decálogo ou Dez Mandamentos, apresentado por Moisés no século V antes de Cristo. Este texto traz em sua essência preceitos sugeridos diretamente por Deus, com base no ideal de pessoa humana, no amor fraterno, no homem virtuoso, subordinado aos princípios religiosos. Essa é a chamada moral judaico-cristã.
Dando um salto no tempo cronológico, encontramos a meditação grega constituindo mais um momento de elaboração da moral ocidental, cuja reflexão foi denominada “ética”. A virtude estaria associada ao saber, à cultura e não era uma aquisição dada a todos os homens. Também chamada ética das virtudes, a ética grega consistia na prática das virtudes que tem sua síntese na justiça. A justiça encerra todas as demais virtudes morais.
Para Aristóteles (384 a 322 a.C.) o homem aspira ao bem supremo, à felicidade, através da auto-educação e do esforço voluntário que supõe a liberdade. Na ética aristotélica as virtudes realizam-se na polis, na busca do bem e da felicidade, portanto é inseparável da política. O homem é um animal político, que nasceu para a vida social, ou seja, tem vocação natural para a convivência solidária e positiva. Essa reflexão fica na esfera da vida humana, dissociada de Deus.
Na época do Cristianismo aproximam-se as tradições judaicas e grega, vinculando-se a moralidade a um ideal de pessoa humana, com livre-arbítrio, porém subordinada integralmente aos princípios religiosos. Nessa época, os Dez Mandamentos são retomados pelo próprio Jesus Cristo no Sermão da Montanha, momento em que foram acrescentadas palavras de conciliação e de busca da paz entre os homens. Uma das recomendações de Cristo que mais me encanta, nessa passagem de sua vida, é:

“...amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos {maltratam e} perseguem. Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos. Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? ...Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário?...Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito.” (Mateus 05, 44-48)

A “ética” ou “teoria da felicidade” de Jesus ultrapassou, sobremaneira, as fronteiras da sabedoria humana. A proposta trazida por Ele foi muito além do bem comum praticado nos limites da nossa humanidade.
Dando outro salto na cronologia do pensamento humano, chegamos à Idade Média quando a doutrina moral é chamada “ética da salvação” e baseia-se na premissa de que a conquista da virtude/sabedoria na terra é um requisito para a obtenção da paz na vida eterna. Portanto, o princípio teleológico era predominante. Dos mosteiros é que vinha todos os fundamentos e quem entendia das coisas de Deus era detentor do conhecimento.
Esse tempo revela-se como adaptação e modificação das virtudes gregas, dirigindo-as não para a polis, mas para Deus, como dever soberano. O mal está no estigma do pecado original, e a expiação deste é a prática da fé, não mais pela conciliação das paixões e regulada pela vontade, mas como obediência, um dever, um cumprimento dos mandamentos.
A moral cristã da Idade Média estabelece uma nova estrutura nas relações humanas, torna o homem criatura de Deus, vivendo com Deus e sob as normas de Deus. Os vícios passam a ser pecados, por falta de obediência a Deus, e o trabalho transforma-se em virtude moral.
No início da modernidade, as formas de pensar o bem e o mal passam por mudança de paradigmas. Durante o Renascimento, a concepção de salvação passa a ser independente do comportamento terreno. Esse era o pensamento protestante que abre espaço para a discussão de uma ética social. No fim do séc XVII esse discurso ganha intensidade e dissocia a ética do sentido religioso, refletindo sobre o mínimo moral para que o ser humano possa viver em harmonia na sociedade.
Kant (1724-1804) formula a ética do dever (deontologia), partindo da idéia de que quem faz a percepção dos valores são os seres humanos, através da criação de regras para conviver com o outro. Preconiza a solução racional, sem ter que recorrer para a divindade.
Esse pensador colocou em crise os fundamentos da tradição moral-cristã e apresentou um imperativo prático que fez uma síntese dos Dez Mandamentos: age de tal forma que trate toda humanidade, tanto na tua pessoa como na dos outros, sempre como um fim e nunca como meio. De maneira sintética, podemos dizer que o homem, segundo Kant, é um fim em si mesmo e não pode ser usado como um meio. Acreditava no homem racional, que age consciente de que a máxima de sua ação deve ser um princípio universal, inspirando-o ao respeito pelo outro.
Chegamos, então, à ética da responsabilidade de Max Weber (1864-1920) que preserva a meditação kantiana, buscando a autonomia moral do homem que prima por mostrar a importância de se responder pelas conseqüências dos próprios atos. Além disso, são também princípios da ética da responsabilidade: a compreensão dos valores morais do outro, a não imposição de convicções quando o indivíduo está em posição de superioridade e nunca usar meios aviltantes para atingir determinados fins.
É isso pessoal! Passamos, rapidamente, por uma parte dos caminhos do pensamento humano, onde pudemos observar momentos de certezas, em que os grandes filósofos traduziam as verdades. Outras épocas em que o transcendente predominou e a confiança estava em Deus. Também notamos tempos em que a certeza estava na ciência e no racionalismo e, mais recentemente, observamos épocas de negação das certezas, nas quais as ciências não estão encontrando respostas para os problemas do ser humano.
Aportamos no século XX e início do século XXI com a emergente necessidade da busca de alguma certeza, através de um ser humano, muitas vezes confuso, herdeiro de todas essas raízes de pensamentos.
Acredito que, nesse ponto da história, surgem (ou ressurgem), com muita força, os valores do pensamento ateu, com suas carrancas disformes e atribulações. Dentre as “variedades” de ateísmos, podemos observar: o ateísmo negativo ou cético, descrente da existência de deus(es), devido à ausência de evidências em seu favor. Ateísmo enquanto um estilo de vida, que não leva em consideração a hipótese da existência de algum deus para se guiar. Ateus que julgam impossível saber com certeza se há ou não uma divindade, dentre outras “categorias” e possibilidades de pensamentos descrentes, explícitos e implícitos nas escolhas daqueles que vivem a vida distantes do cuidado divino.
E o que isso trouxe para nossas vidas?
Na pós-modernidade, especialmente após a II Guerra Mundial, vivemos a época do poder transformador da tecnociência, da biotecnologia e da globalização. Tempos de uma sociedade incrédula, descartável, que supervaloriza o domínio econômico, o consumo, enfatiza a competitividade, o individualismo e o vale-tudo pela detenção do poder.
Fritjof Capra, em 1982, já nos falava do fracasso das promessas de um paraíso na terra, baseado num ideal puramente capitalista-materialista, advindo pelo progresso tecnológico e expresso na crença positivista de que esta por si resolveria todos os problemas e deixaria as maravilhas da modernidade acessível a todos. A frustração “rachou“ as expectativas do homem dessa época.
Allan Bloom, em sua obra “O Declínio da Cultura Ocidental”(1989), ponderava sobre a crise da sociedade moderna...sociedade povoada por homens “espiritualmente desnudos, desconectados, separados, sem relações herdadas ou incondicionais com nada ou alguém. Podem ser o que quiserem, mas não têm nenhuma razão particular para ser nada em especial”. Isso é MUITO triste e real!!
Leonardo Boff, em 2000, reforça essa crise, quando nos diz que vivemos a civilização do caos, cujos sintomas são percebidos pelo fenômeno do descaso e da falta de cuidado com a vida das nossas crianças, com os flagelados pela fome crônica, com os desempregados e aposentados, com a corrupção no poder público e, finalmente com o descuidado da dimensão espiritual do homem.
Diante dos acontecimentos da crise humana, parece que o homem perde o rumo e deseja caminhar voltado para si mesmo. O ateu, sem dogmas a serem seguidos, tem a tarefa de escolher e julgar os valores, isto é, de se posicionar individualmente frente ao mundo. Buscam valores finitos que colocam a humanidade em situação de vulnerabilidade e fragilidade.

E AGORA? PARA ONDE CAMINHA A HUMANIDADE??

Tirar Deus do “palco da existência” do homem nos trouxe ao “ponto de mutação”, como nos fala Capra (1989):

“No término de um período de decadência, sobrevém o ponto de mutação. A Luz poderosa que fora banida, ressurge. Há movimento, mas este não é gerado pela forçaO movimento é natural, surge espontaneamente. Por essa razão, a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado e o novo é introduzido. Ambas as medidas se harmonizam com o tempo, não resultando daí nenhum dano.”

Essa é a minha esperança! Harmonizar velhos e novos pensamentos, paradigmas e modelos de convivência que trazem no horizonte as possibilidades de um movimento universal, gerado pela sensibilidade humana.

QUEM NÃO É CONTRA NÓS, É POR NÓS!!

É fato que a ética e as conversas sobre o bem e o mal remontam um passado anterior ao tempo de Jesus Cristo, como vimos na primeira parte desse texto. Também vimos que o próprio Jesus, no decorrer da sua história, clamava pela capacidade e compromisso do homem realizar o bem e levar a “boa notícia do amor” que TUDO pode transformar. Amor sem preconceitos, sem limites...amor que TUDO suporta!
Por outro lado, percebo, com alegria, uma preocupação com o cuidado ético e o desejo do bem nos pensamentos dos ateus convictos da pós-modernidade. Alguns falam sobre a questão da responsabilidade individual: cada escolha da vida traz consigo a obrigação de responder pelos próprios atos. Baseados no Existencialismo de Sartre, enfatizam que: “perante suas escolhas, o homem não apenas torna-se responsável por si, mas também por toda a humanidade.
Esse posicionamento me faz repensar...na verdade isso está muito próximo ao que Jesus pede para cada um de nós!
É importante lembrar uma passagem da vida de Jesus contada pelo evangelista Marcos (9,40). João, seu discípulo amado, lhe diz:

“Mestre, vimos um que em teu nome expulsava demônios, o qual não nos segue; e nós lho proibimos, porque não nos segue. Jesus, porém, disse: Não lho proibais...porque quem não é contra nós, é por nós.”

Acho que é isso...grande sacada essa fala de Jesus!!
Diante desse pedido do meu Mestre e Senhor, hoje não mais vejo o ateu como um sujeito desequilibrado, desejoso de destruir a religião a todo custo...pelo menos aqueles que eu tenho o prazer de trocar idéias são assim...graças a Deus!!
Afinal, habitamos todos a mesma casa e estamos empenhados em fazer a vida acontecer de um jeito mais bonito...queremos escrever uma história limpa, a história do bem!

SIGAMOS PELAS VEREDAS DA FÉ!

As tantas atividades que realizamos na rotina do mundo moderno nos leva à exaustão do corpo e da alma. Não há como encontrar refrigério e descanso se não for por meio de um Deus que é fiel, acima e apesar de tudo o que nos acontece.
Não posso confiar na minha sorte e apenas nas forças de minhas mãos para realizar o que é preciso. Somente a suavidade do Espírito Santo faz o meu coração tranqüilo e equilibra minhas escolhas e meus combates diários.
Eu sigo pelo caminho, no silêncio de minha pequena alma. Insisto em seguir pelas veredas da fé...fé denominada “cega”, de forma muito agressiva por alguns ateus. Para esses ateus, eu diria mais: minha fé é “cega e surda de nascença”!!! Cega, porque não vejo a maldade que há no ser humano...persisto em acreditar na bondade que há em cada coração. Surda, porque não ouço o barulho do mundo que quer me envolver e me confundir. Posso afirmar, com toda a convicção, que isso traz paz, serenidade e alento ao meu caminhar.
E diria mais ainda: a minha fé, “cega e surda de nascença”, não é muda!!!Ela fala em mim, ela escreve por mim, inspirada por Deus.
Tenho as mãos militantes no terreno do labor cotidiano e os olhos voltados para o infinito. Mãos que militam nas coisas do mundo...com responsabilidades humanas e compromisso de fazer sempre o melhor. Porém, sou finita e limitada...nesse terreno sagrado da minha história, vivo tempo de vitórias e tempo de fracassos.
Quando as minhas forças humanas se esgotam, os meus olhos voltados para o infinito, para um Deus que é Pai e me conduz, me fazem enxergar além...me fazem transcender e acreditar que algo muito lindo me aguarda no horizonte da minha vida.
Tenho que equilibrar esforço humano e graça divina, porque não há como viver se não for assim. O esforço humano sem a graça divina é vazio e a graça de Deus sem o esforço do homem não encontra base para as realizações e transformações necessárias. Deus precisa de nós! Eu vivo para me colocar à disposição do Seu projeto de amor...todos os dias da minha vida!
Eu sigo...acertando, errando. Fracasso no alcance das metas, mas nunca falho no que verdadeiramente sou: filha amada, incondicionalmente, por um Pai maravilhoso!
Vou vivendo assim...certa de que:

“Sou consagrad(a) ao meu Senhor, solo sagrado eu sei que sou, vida que o céu sacramentou, marcas do Eterno estão em mim” (Pe Fábio de Melo)

Por isso, agradeço e louvo...

Glórias a Deus Pai todo poderoso!
Glórias ao Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor!
E glórias ao Santo Espírito , que habita o meu peito!!
Amém!!

Fiquem na paz do nosso bom Pai!
Fátima Regina